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  • Foto do escritorBelemitas

A Queda do Gavião - Parte I



De onde estavam podiam sentir o tremor vindo da Terra. Era o sinal de que, finalmente, estava consumado. Todos comemoraram. Seus olhos queimavam uma raiva opulenta; suas risadas inescrupulosas, de dentes afiados, exalavam um bafo mortífero. A festa, regada a ostentação, luxúria e embriaguez, estava só começando e ao que tudo indicava faria inveja até a Baco.


No canto da sala, o líder sorria, porém de forma comedida. Estava extenuado pela empreitada dos últimos dias – a engenhosa artimanha tirou-lhe o sono e envolveu horas de trabalho duro… E ele não gostava de trabalhar. Mas não era isso que impedia sua comemoração. Na verdade, sua mente ia e voltava em uma única frase. Fazia milhares de anos que a havia escutado, de soslaio, é bem verdade. Na época, estava ocupado com o povo, mas pôde ouvir Deus dizendo a Moisés, do alto do monte, “pois a vida de todo ser vivente está no sangue”[1].


Desde então, isso não saiu de sua cabeça. Havia dias em que não pensava muito; mas, em outros, cortava-o, dava-lhe ódio, vontade de berrar. Nos últimos anos, era como se a frase estivesse mais clara: cada palavra que o Homem declarava, cada toque milagroso das mãos, cada olhar compassivo ao próximo... Causavam-lhe desespero. Por onde o Homem passava, uma luz cegava sua visão e abafava seus sentidos, enquanto um martelo pregava em sua mente: “a vida de todo ser vivente está no sangue”.

Nos últimos dias, tamanho foi o seu descontrole que, mesmo sendo mestre em estratégias, perdeu a razão e partiu para o tudo ou nada. A madrugada anterior foi a prova disso. Enviara todos os seus empregados para o Jardim. O Homem estava ali: impecável, resoluto. E o martelo continuava a pregar em sua mente: a vida de todo ser vivente está no sangue”.


Dali em diante, não se nega, sentiu o prazer subir-lhe a espinha. Por um tempo, até se esqueceu da frase. Entre uma chicotada e outra, comentava com os comparsas o quanto sonhara com aquele momento.


O ápice foram os pregos: um em cada mão; outro nos pés. Fechou os olhos para ouvir o som metálico e, então, gargalhou com euforia, jogando a cabeça para frente e para trás. Quando mirou o Homem novamente, porém, fez silêncio.


Viu a cruz erguida e sangue, muito sangue. A vida de todo ser vivente está no sangue.


Saiu de fininho e foi para o canto da sala. Ali ficou, assistindo o Homem sofrer e seus empregados comemorarem.


Agora, os tremores aumentavam. Todos bêbados e em êxtase não podiam reparar, mas o teto estava começando a ceder e algumas rachaduras se espalhavam pelo chão. Um ruído se tornava em estrondo; no começo leve, depois ensurdecedor. Então, silêncio. O único som que se ouviu foi o da luz – a mesma que o cegava, que abafava seus sentidos.


Era ele. Era o Homem!


O desespero tomou conta do que antes era uma festa e todos começaram a correr em retirada. O líder foi se curvando, afetado pela luz. Sentia angústia, falta de ar, dores de cabeça... Sentia que ia explodir. Com as mãos na cabeça, apoiou o joelho esquerdo no chão, depois o direito e, então, a testa.


Ao seu lado, jazia quebrado o aguilhão da morte.


*A história é meramente ilustrativa. Para acessar texto expositivo sobre a vitória de Jesus na cruz, clique na imagem:


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[1] Levítico 17:11, NTLH.

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