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A compaixão divina



A compaixão é dos temas mais mal compreendidos pelo ser humano. Além disso, é dos sentimentos que menos praticamos efetivamente. Não sei dizer qual destas constatações é causa e qual é consequência, mas, ambas levam a um resultado comum: uma confusão de significados que mascara o verdadeiro sentido da expressão.


Segundo a Pequena Enciclopédia Bíblia, de O.S. Boyer, compaixão é o “sentimento de pesar que em nós desperta o mal de outrem”[1]. A definição, embora singela, revela aspectos importantes sobre nosso objeto de estudo. Primeiro, sua origem: a compaixão nasce da dor alheia; depois, sua natureza: é um sentimento; por fim, seu conteúdo: pesar, dor, comiseração. Daí que podemos concluir ser compaixão a participação na dor de outro ser humano[2], tal que passamos a possuí-la como se fosse nossa.


A compaixão é sempre lembrada na filosofia. Alguns a consideram uma virtude, expressão genuína do amor. Outros enxergam nela uma fraqueza, já que, em última análise, não seria mais do que uma tristeza. As opiniões variam e a necessidade do sentimento está longe de ser unanimidade.


Tamanha dificuldade em compreendê-la, maior ainda em praticá-la e intensos debates ao valorá-la... Talvez isso nos mostre que a natureza humana não é, digamos assim, afeta à compaixão. Não seria espantoso dizer que suas forças são antinaturais, pois ninguém, em sã consciência, tomaria para si, gratuitamente, o sofrimento alheio.


Ninguém, exceto Deus. Ele nos ensina o que efetivamente é compaixão pois a pratica de maneira genuína.


Diferentemente do que se pode imaginar, a compaixão não deve ser confundida com os atributos divinos, sejam os comunicáveis ou incomunicáveis[3]. Na realidade, compaixão é um reflexo desses atributos sempre que nosso sofrimento é exposto à onisciência de Deus.


Tome o amor como exemplo. Deus é amor e, embora este atributo esteja além de qualquer inteligência humana, sua manifestação diante da nossa realidade se dá através de aspectos inteligíveis. Paulo o descreve por meio de ações: o amor sofre, crê, espera e suporta (1 Coríntios 13:7). O primeiro deles, o amor sofredor, está perfeitamente emoldurado na definição que traçamos para a compaixão. Assim, podemos compreender que as dores e o sofrimento decorrentes do pecado, quando abraçados pelo amor de Deus, refletem sua compaixão por nós. Pensemos nisso como uma espécie de “instinto divino”.


Destarte, a compaixão revela um detalhe maravilhoso do nosso Criador. Vejamos:


Sabemos que o Ser Humano foi criado à sua imagem e semelhança, com características únicas que permitiam o desenvolvimento de um relacionamento. O pecado dói, pois separa o Ser Humano desse “projeto original”. A dor é espiritual, mas também é física (multiplicarei grandemente o seu sofrimento na gravidez – Gênesis 3:16), e é existencial (com sofrimento você se alimentará dela todos os dias da sua vida). Em Romanos, Paulo relata que a natureza geme até agora, como em dores de parto. E, mesmo os salvos por Cristo gemem interiormente, esperando ansiosamente nossa adoção como filhos, a redenção do nosso corpo (Romanos 8:22-23). Tudo isso reflete em Deus uma “dor”[4] de ver a criação se afastar do projeto originalmente concebido por Ele para uma Eternidade de íntima comunhão. Não temos um Deus distante; Ele é amor e, por isso, é compassivo e participa dos nossos sofrimentos.


A compaixão ainda reflete, de maneira bastante peculiar, a santidade de Deus. Voltaremos a esta relação com maiores detalhamentos nos próximos textos, mas por ora convém lançarmos alguma luz sobre isso.


É que Deus, sendo santo, não possui qualquer falha em seu caráter ou em seu ser. Por sua vez, a dor e o sofrimento revelam a falibilidade humana – de forma indireta, pois aludem ao Pecado Original; de forma direta, pois atestam que há situações da vida que podem nos vencer. Esta falência da humanidade contraposta à santidade divina jamais permitiria a manutenção de um relacionamento entre Deus e o ser humano. De duas uma: ou Ele nos abandonaria à nossa própria sorte, ou faria algo para nos tornar santos, como Ele é santo.


Daí que a compaixão de Deus vai além da mera participação na dor alheia para adentrar na alma humana e dela retirar toda a dor, tornando-nos plenos novamente a fim de que possamos desfrutar de uma Eternidade sem lágrimas, nem morte, nem tristeza, nem choro, nem dor (Apocalipse 21:4).


Portanto, ao encerrar esta breve reflexão, chamo a atenção para dois aspectos essenciais da compaixão divina: i) a participação na dor humana; ii) a necessidade de retirá-la de nós.


No próximo texto, passaremos a analisar de que forma a compaixão de Deus pode ser bem treinada e aperfeiçoada em nós, a fim de que conquistemos um caráter aprovado. Fique com Deus e até breve!!!


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[1] BOYER. O.S., Pequena Enciclopédia Bíblia, p. 150.

[2] André Comte-Sponville, filósofo francês, defende que é possível ter compaixão para com animais. Contudo, esta incursão não é foco deste texto.

[3] Para aprofundamento neste tema, sugiro a leitura do texto Você se parece com alguém... , do Wellington Matheus.

[4] Não é tecnicamente correto emprestar sentimentos humanos a Deus. Contudo, em muitas passagens a Bíblia o faz, como recurso linguístico destinado à melhor compreensão dos destinatários da Mensagem. Trata-se de uma técnica chamada Antropopatismo. Sobre o tema, sugiro o primeiro vídeo da Série “Vem pra Bíblia”, com o Pastor Rodrigo Urcino, disponível no Instagram da Juventude ADBrasil.



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